O sistema de penalidades tributárias e aduaneiras no Brasil é hoje um dos elementos que mais contribuem para a complexidade, insegurança e litigiosidade na relação entre Fisco e contribuintes. Com a multiplicidade de multas aplicáveis — sobre a obrigação principal, acessórias, aduaneiras, específicas por tributo, entre outras — o país convive com um regime sancionatório fragmentado e muitas vezes incoerente.
Esse excesso de normas e sanções, criadas ao longo do tempo para responder a diferentes contextos, acabou gerando um sistema difícil de compreender, aplicar e, principalmente, justificar do ponto de vista jurídico e econômico. A consequência? Um ambiente de negócios mais arriscado, menos previsível e com baixo grau de conformidade voluntária.
Multas não são instrumentos arrecadatórios. Essa visão ignora a finalidade principal dessas sanções: induzir o cumprimento voluntário das obrigações tributárias. Segundo estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), multas bem calibradas devem ser entendidas como ferramentas para garantir que o contribuinte prefira agir corretamente desde o início.
Se, ao contrário, as multas forem excessivas, mal aplicadas ou inconsistentes com o comportamento real do contribuinte, podem perder seu efeito educativo e estimular o litígio.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vem estabelecendo parâmetros para conter excessos. A Corte já decidiu que multas punitivas acima de 100% do tributo devido violam o princípio do não-confisco — admitindo o patamar de até 150% apenas em casos de reincidência.
Esses limites são relevantes, mas não resolvem por si só os principais problemas do sistema. Ainda falta uma estrutura coerente para a aplicação das penalidades, que considere a natureza da infração, a conduta do contribuinte e os efeitos sobre a arrecadação e a concorrência leal.
Outro problema que afeta a credibilidade do sistema é o uso recorrente de programas de parcelamento e remissão de multas (como os REFIS). Em muitos casos, multas aplicadas em percentuais elevados são posteriormente perdoadas ou substancialmente reduzidas. Isso mina o caráter dissuasório da penalidade e cria uma cultura de espera pela próxima anistia.
Além disso, os dados mostram que o índice de recuperação efetiva das dívidas tributárias no Brasil é muito baixo — o que reforça a necessidade de repensar não apenas as sanções, mas o modelo de cobrança e resolução de conflitos.
Uma reforma bem-sucedida do sistema de multas deve partir de uma classificação clara das penalidades, com valores-base e faixas de variação conforme a gravidade da infração. Isso inclui distinguir:
– Infrações relacionadas à obrigação principal (não pagamento do tributo);
– Infrações acessórias (como omissão de informações);
– Infrações aduaneiras, que também envolvem controle comercial e regulatório.
Critérios como dolo, reincidência, cooperação com o Fisco e adesão a programas de conformidade também devem ser levados em conta na definição da penalidade.
O debate sobre as multas não pode ser dissociado da reforma tributária em curso. A proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), por exemplo, prevê a simplificação das infrações no novo modelo do IBS e CBS, reduzindo dezenas de tipos para apenas cinco categorias.
Mas é importante que essa simplificação não repita os erros do passado. A calibragem correta das sanções, a clareza na sua aplicação e a integração com mecanismos de resolução consensual, como a transação tributária, são fundamentais para garantir que o novo sistema seja mais eficiente e justo.
Mais do que uma questão técnica, reformar o regime de penalidades tributárias e aduaneiras é um passo essencial para restabelecer a confiança entre contribuinte e Estado, reduzir o contencioso fiscal e melhorar o ambiente de negócios.
Empresas que atuam com seriedade e responsabilidade só têm a ganhar com um sistema mais coerente, previsível e proporcional. E a Administração Tributária, por sua vez, poderá focar seus recursos nos casos mais relevantes, em vez de se perder em litígios intermináveis e cobranças ineficazes.